Diagnóstico inicial de impactos do rompimento

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Devido à magnitude do desastre, o real dimensionamento de seus impactos negativos, diretos e indiretos, depende de diagnósticos que levem em consideração não apenas os efeitos mais imediatos – como os óbitos e a destruição material – mas, também, os danos e prejuízos territoriais, sociais, econômicos e ambientais, que só serão sentidos, percebidos e avaliados a médio e a longo prazos.

O rompimento de uma barragem requer o rearranjo abrupto de toda a dinâmica social, econômica e ambiental da região afetada. Seus efeitos vão da dispersão e deslocamento de famílias às questões de saúde mental; dos problemas de infraestrutura para acesso à água à dificuldade de abastecimento de alimentos; da destruição de espaços e lugares simbólicos, tradicionais e/ou religiosos das comunidades à destruição do patrimônio imaterial, da identidade e das manifestações culturais; da mudança no modo de vida das cidades aos impactos no comércio, indústria e arranjos produtivos locais. Há, ainda, o impacto gerado pela reconstrução das cidades, com a poeira gerada pelas obras, a movimentação anormal de pessoas e veículos, as desapropriações necessárias, que promovem mais mudanças e deslocamentos das famílias.

Tudo isso afeta de forma brutal a vida das pessoas, a realidade dos municípios e, também, a dinâmica de funcionamento e de prestação de serviços públicos. A intensa demanda adicional sobre o poder público, que é chamado a atuar com celeridade e efetividade no processo de reparação, requer incremento da capacidade de resposta e de provisão de serviços públicos, bem como a elaboração e implementação de políticas públicas específicas para os territórios e pessoas atingidas

Nesse sentido, destacamos aqui, os principais efeitos do rompimento já identificados pelos órgãos públicos estaduais, que estão desenvolvendo ações em diversas áreas temáticas para sua mitigação, reparação e compensação:

1. Impactos ambientais

Os impactos ambientais provocados pelo rompimento das barragens vão muito além daqueles visíveis. A vegetação, a fauna e os rios foram atingidos ao longo de centenas de quilômetros, atravessando dezenas de municípios. Para a reparação ambiental integral, é relevante a proposição de ações com base no diagnóstico não só dos danos e impactos de curto prazo, mas, sobretudo, a partir da identificação daqueles que só serão conhecidos a médio e longo prazos.

Com o objetivo de orientar o adequado diagnóstico desses impactos, bem como a elaboração e execução de planos para a restauração do meio ambiente, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) elaborou as diretrizes para a construção do “Plano de Reparação Ambiental da Bacia do Rio Paraopeba”. O referido plano é composto pelos seguintes estudos:

1.         Avaliação de Impacto Ambiental das Áreas Impactadas.

2.         Plano de Manejo de Rejeitos.

3.         Plano de Gestão de Resíduos.

4.         Plano de Monitoramento da Qualidade do Ar.

5.         Plano de Monitoramento da Qualidade da Água e Sedimentos.

6.         Plano de Caracterização, Reabilitação e Monitoramento da Qualidade do Solo e da Água Subterrânea.

7.         Plano de Monitoramento da Biodiversidade.

8.         Plano de Restauração da Biodiversidade e Ecossistemas Aquáticos Impactados.

9.         Plano de Restauração da Biodiversidade e Ecossistemas Terrestres Impactados.

10.   Plano de Comunicação relativo às ações do “Plano de Reparação Ambiental da Bacia do Rio Paraopeba”.

Com base nestas diretrizes, no dia 30 de setembro de 2019, a Vale S.A. apresentou à Feam o Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba, contendo um diagnóstico da situação anterior ao rompimento, a identificação e a matriz dos impactos ambientais e a definição de Planos, Programas e Projetos para reparar os compartimentos ambientais da Bacia.

O documento foi analisado pelos órgãos do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e por outros atores competentes, como o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Advocacia Geral do Estado (AGE) e a Aecom do Brasil (Auditoria do MPMG), que fizeram uma série de recomendações. A partir da devolutiva da Vale S.A. a estas recomendações, terá início a elaboração do cronograma para a implementação dos Planos, Programas e Projeto.

O diagnóstico completo ainda se encontra em discussão, mas alguns impactos ambientais já foram apresentados no Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba, elaborado pela Vale S.A, conforme tabela abaixo.

Componentes avaliados

Impactos decorrentes do rompimento

Recursos hídricos superficiais

Redução da qualidade da água superficial

Recursos hídricos subterrâneos

Contaminação e consequente restrição de uso de água subterrânea

Aumento da demanda de águas subterrâneas

Sedimentos

Assoreamento de corpos hídricos

Retenção de sólidos em barramentos

Geologia e Geomorfologia

Mudança das características do relevo na sub-bacia do ribeirão Ferro-Carvão

Intensificação de processos erosivos

Alteração das características morfodinâmicas dos cursos d'águas

Solos

Alteração das características naturais do solo

Recursos minerais

Interrupção de atividades minerárias na bacia hidrográfica do rio Paraopeba

Qualidade do ar

Alteração da qualidade do ar

Biota aquática

Alteração da produtividade primária

Alteração das teias tróficas

Aumento de bioacumulação e ecotoxicidade na biota aquática

Redução da heterogeneidade ambiental

Alteração do potencial/capacidade de autodepuração do rio Paraopeba

Alteração das populações de macrófitas aquáticas

Perda de indivíduos da ictiofauna

Bioacumulação de metais e ecotoxicidade em peixes

Perda de hábitats aquáticos

Biota terrestre

Redução da cobertura vegetal

Perda de indivíduos da flora

Fragmentação da cobertura vegetal

Perda de banco de sementes

Redução do fluxo gênico em espécies vegetais

Aumento do efeito de borda

Desregulação fisiológica de indivíduos da flora

Alteração na ciclagem de nutrientes

Perda e alteração de habitat Terrestres

Isolamento de populações da fauna silvestre

Injúria e/ou perda de indivíduos da fauna silvestre

Alteração da composição e diversidade de comunidades terrestres

Bioacumulação de indivíduos de Fauna Silvestre

Áreas protegidas

Interferência em Áreas de Preservação Permanente (APP)

Interferência em Unidades de Conservação (UC)

Serviços ecossistêmicos

Redução da segurança alimentar

Redução dos estoques pesqueiros

Alteração da Identidade cultural

Aumento de insegurança relacionada a inundações

Redução da polinização

Aumento de doenças transmitidas pela fauna sinantrópica

 

2. Impactos sociais

Um desastre dessa magnitude afeta a estrutura psicológica, familiar, econômica e comunitária das pessoas e comunidades atingidas, bem como impacta importantes aspectos dos municípios atingidos, provocando o rearranjo de toda a dinâmica socioeoconômica da região. Além disso, foram identificados cenários de dispersão e deslocamento de famílias; o surgimento de problemas de infraestrutura, como acesso à água e ao abastecimento de alimentos; as mudanças no modo de vida das cidades e das pessoas; o desaparecimento de postos de trabalho diretos e indiretos na indústria da mineração, entre outros.

Todos estes aspectos, que afetaram sobremaneira a vida das pessoas e dos municípios atingidos, também impactaram a dinâmica de prestação de serviços sociais pelos órgãos públicos.

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) identificou, à época do rompimento, um aumento geral no número de atendimentos em sua rede socioassistencial. O poder público teve que responder a um significativo aumento na demanda por serviços, refletidos no número de atendimentos.

Um exemplo é o aumento da quantidade de famílias acompanhadas pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), que passou de 11.607 famílias em janeiro de 2019 para 13.625 famílias em novembro de 2019 (acréscimo de aproximadamente 17%) nos municípios atingidos.

Outro exemplo é o quantitativo de atendimentos individualizados realizados pelos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). Em janeiro de 2019, foram 18.106 atendimentos e, em outubro, o mês com maior número de atendimentos, foram 23.611, representando um aumento de 30%. Em 2018, 190.079 atendimentos foram realizados no total e, em 2019, 258.542. Ou seja, 36% a mais que no ano anterior.

Em relação aos atendimentos individualizados realizados pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), nota-se um aumento expressivo de aproximadamente 38% entre janeiro e dezembro de 2019. O total de atendimentos realizados em 2019 foi de 27.241, e, no ano anterior, 12.141.

Nos 23 municípios considerados atingidos pelo desastre, 128.382 famílias estão cadastradas no CadÚnico, sendo 56.534 (44%) delas beneficiárias do Programa Bolsa Família. Entre as famílias cadastradas, passou-se de um total de 42.907, em janeiro de 2018, para um total de 59.353 (46%), em maio de 2020, em situação de extrema pobreza (renda per capita familiar de até R$ 89,00); enquanto as em situação de pobreza  (renda per capita familiar entre R$ 89,01 e R$ 178,00) passaram de 18.290, em janeiro de 2018, para 13.193 (10%) em maio de 2020. Portanto, há uma tendência de aumento da extrema pobreza e de redução da pobreza – o que pode ser um indicativo de que algumas famílias que já estavam em situação de pobreza passaram à situação de extrema pobreza.

 

3. Impactos na saúde da população

Os impactos na área da saúde advindos do desastre em Brumadinho são múltiplos e difíceis de serem mensurados. Além de se estenderem por centenas de quilômetros desde o local de origem, os impactos podem ter efeitos a curto e a longo prazos.

A Fiocruz apontou que doenças mentais decorrentes de grandes desastres ambientais podem ser sentidas imediatamente, mas também alguns anos após o evento traumático, como foi verificado em Mariana, onde ocorreu desastre semelhante em 2015. Neste cenário, cresce o risco de aumento de casos de suicídio, doenças mentais como depressão e ansiedade, além de abuso de álcool e outras drogas.

Outras questões de saúde também podem ser identificadas. Um levantamento preliminar da situação de saúde da população de Brumadinho e demais municípios atingidos, realizado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) por meio de reuniões com os gestores de saúde dos municípios, realizadas em outubro de 2019, apontou um aumento considerável no acesso da população aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) nos municípios e dos procedimentos por eles oferecidos no período de janeiro a julho de 2019, comparando com o mesmo período em 2018.

Os dados da SES sobre mortalidade por causas externas, detalhados para tentativa de suicídio e lesão autoprovocada, no município de Brumadinho, mostram um aumento nos números totais de casos de 2018 para 2019, sendo: 43 em 2018 e 67 em 2019; e 63 em 2018 e 87 em 2019, demonstrando um aumento dos casos de 55,81% e 38,1%, respectivamente.

Segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Brumadinho de agosto de 2019, o uso de medicamentos antidepressivos aumentou 60% e o de uso de medicamentos ansiolíticos 80%, na comparação do 1º semestre de 2019 com o mesmo período de 2018. O uso de medicamento para psicose e outros transtornos psiquiátricos graves aumentou 143%.

Outro aspecto que tem impacto direto na saúde humana são as alterações das condições de vida, de acesso aos serviços de saúde e dos ecossistemas, que produzem condições para o agravamento geral de doenças pré-existentes e para a transmissão de doenças infecciosas.

A perda de vínculo com os sistemas de atenção básica de saúde pode gerar agravamento geral de crises hipertensivas, doenças respiratórias, acidentes domésticos e surtos de doenças infecciosas. Também pode haver a ampliação da incidência de doenças pré-existentes na região afetada, como a febre amarela, diarreias e esquistossomose, como possíveis consequências do desastre a médio prazo. Além disso, segundo a Fiocruz, o contato com a lama e com a água pode gerar casos de leptospirose, e a exposição aos rejeitos secos – poeira rica em ferro e sílica – pode desencadear processos alérgicos, principalmente cutâneos e respiratórios.

A alteração da qualidade da água para consumo humano é outro fator que afeta diretamente a saúde da população. Após o rompimento, foi intensificado o monitoramenteo da água para consumo humano e, até dezembro de 2019, foram coletadas 1.847 amostras pelos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) de 16 municípios atingidos. Segundo o Ministério da Saúde, os “resultados do monitoramento indicam valores insatisfatórios frequentes para os parâmetros microbiológicos e organolépticos, muito embora tenham sido identificados, pontualmente, valores insatisfatórios para os parâmetros antimônio, arsênio, bário, chumbo, cromo, mercúrio, níquel e selênio, que são classificados pela Norma de Potabilidade como substâncias que representam riscos à saúde.

Foram identificados, de forma recorrente, resultados acima do valor máximo permitido (VMP) da norma de potabilidade para os parâmetros ferro (336 amostras); alumínio (117 amostras) e manganês (207 amostras), sendo que em 38 amostras todos esses estiveram acima do VMP.

Destaca-se que os Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (EARSH) estão em andamento. Portanto, não se pode afirmar ainda que não há riscos para utilização da água. Desta forma, permanece a recomendação de suspensão do uso da água dos poços monitorados até 100 metros da calha do leito do Rio Paraopeba, de Brumadinho até o município de Três Marias.

A Secretaria de Estado de Saúde também destaca que desastres desse porte podem resultar em um aumento de casos das doenças vinculadas por insetos. O Ministério da Saúde aponta que a transmissão de arboviroses envolve diversos fatores e que desastres dessa magnitude potencializam as causas de transmissibilidade, tais como: a susceptibilidade dos indivíduos às arboviroses, a disponibilidade de um ou mais dos quatro sorotipos no ambiente, pelo aumento de locais que favoreçam o desenvolvimento dos vetores, alterações do clima que propiciam manutenção e proliferação de vetores, o saneamento inadequado e o alto trânsito de pessoas.

No caso de Brumadinho, em 2018 foram registrados 25 casos prováveis de dengue e, em 2019, o número passou para 1.032, representando um incremento de 4028% em relação ao mesmo período do ano anterior. Por isto, é importante considerar os impactos do desastre na incidência de doenças zoonóticas e nas transmitidas por vetores, como leishmanioses, dengue, chikungunya, entre outras.

Considerando os impactos do rompimento, fica evidenciada a necessidade de atendimento contínuo e de desenvolvimento de estratégias de fortalecimento dos vínculos entre as pessoas atingidas e suas referências locais de saúde, bem como da rede pública de saúde que recebe um aumento significativo da demanda por serviços.

4. Impactos na área de educação nos municípios atingidos

Os danos causados pelo rompimento da barragem impactaram o modo de vida das famílias e tiveram consequências de curto, médio e longo prazo na vida e na trajetória dos estudantes e dos profissionais de educação, no dia a dia das escolas e nos processos de ensino e aprendizagem.

A literatura especializada indica que entre 25% e 35% das pessoas desenvolvem Síndrome de Estresse Pós-Traumático depois de tragédias de grande magnitude, além de outros agravos de saúde e comportamentos de risco. Os agravos na saúde mental dos profissionais da educação afetam seu dia a dia, sua disposição e sua atuação no trabalho, impactando, consequentemente, os processos de ensino e aprendizagem nas escolas.

Além disso, crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis a desenvolver agravos de saúde mental e/ou outros distúrbios psicológicos, tanto em função da tragédia, quanto dos efeitos dela sobre seus adultos de referência. Isso pode gerar impactos negativos diretos na continuidade dos estudos e na aprendizagem.

No caso do rompimento da barragem da Vale S.A em Brumadinho, os mortos e desaparecidos representam quase 1% da população total do município, o que demonstra a necessidade real de apoio psicopedagógico, psicossocial e psicológico aos moradores.

Segundo a Secretaria de Estado de Educação (SEE), em fevereiro de 2019, foi apurado que 56 responsáveis por estudantes da rede estadual do município de Brumadinho estavam entre os desaparecidos ou mortos, e que pelo menos dois estudantes da rede estadual estavam entre os desaparecidos. Houve um processo de desestruturação das famílias após o rompimento das barragens, seja pela perda de mães, pais, avós, avôs, filhos, irmãos, irmãs, entes queridos, e também pela perda material de casas, móveis, plantações e animais que eram criados.

Tais perdas impactaram profundamente a vida da comunidade e, em especial, das crianças e jovens dos municípios atingidos. Esse público, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), deve ter garantidos seus direitos, dentre eles o de acesso à escola e à educação de qualidade.

As avaliações estaduais nos anos de 2018 e 2019 indicam que, nos 23 municípios considerados atingidos, 43% das escolas estaduais avaliadas pioraram a proficiência média em matemática no 5º ano do Ensino Fundamental, 54% tiveram queda na proficiência média em matemática no 9º ano do Ensino Fundamental e 45% tiveram a proficiência média em matemática reduzida no Ensino Médio.

No que tange a proficiência média de Língua Portuguesa, 46% das escolas estaduais avaliadas tiveram queda na proficiência média no 5º ano do Ensino Fundamental, 71% tiveram redução da proficiência média no 9º ano do Ensino Fundamental e 72% tiveram queda de proficiência média no Ensino Médio.

Além disso, com objetivo de verificar estratégias de atuação para manutenção das crianças e dos adolescentes nas escolas, será necessário realizar o acompanhamento do quantitativo de matrículas escolares na rede estadual e municipal, urbana ou rural. A tabela abaixo apresenta a variação do saldo de matrículas entre 2018 e 2019 nos municípios considerados diretamente atingidos, indicando uma queda geral de mais de 9.000 matrículas.                     

Variação no saldo de matrículas entre 2018 e 2019 em municípios diretamente atingidos

Área

Rede

Ano

Nº de matrículas

Saldo (2019-2018)

Variação percentual (2019/2018)

Urbana

Total

2018

218.904

-8.185

-3,74%

2019

210.719

Federal

2018

796

-29

-3,64%

2019

767

Estadual

2018

86.694

-8.125

-9,37%

2019

78.569

Municipal

2018

102.152

-1.299

-1,27%

2019

100.853

Privada

2018

29.262

1.268

4,33%

2019

30.530

Rural

Total

2018

14.045

-1.142

-8,13%

2019

12.903

Federal

2018

2.628

-717

-27,28%

2019

1.911

Estadual

2018

1.190

-90

-7,56%

2019

1.100

Municipal

2018

10.093

-307

-3,04%

2019

9.786

Privada

2018

134

-28

-20,90%

2019

106

 

 Fonte: Dados do Censo Escolar, 2018 – 2019.

Os dados acima indicam um aumento de demanda por serviços públicos. Ainda que não seja possível demonstrar uma correlação direta e exclusiva entre o aumento e o impacto do rompimento, eles reforçam a necessidade de fortalecimento da atuação governamental na região de forma continuada.

5. Impactos na área da segurança pública no município de Brumadinho

O município de Brumadinho sofreu múltiplos impactos, entre eles o aumento no número de ocorrências policiais por crimes de naturezas diversas em 2019, segundo dados do Sistema Integrado de Defesa Social/Registro de Eventos de Defesa Social (Sids/Reds).

Com base nas informações do Sids/Reds, a Polícia Civil de Minas Gerais realizou um levantamento preliminar sobre a situação da segurança pública em Brumadinho. Houve um aumento no quantitativo de ocorrências policiais de 2018 para 2019 e, ainda que o quantitativo de ocorrências tenha apresentado queda no primeiro semestre de 2020 em relação ao ano de 2019, quando se compara os meses de 2020 com os mesmos meses de 2018, há incremento na maioria deles, como é demonstrado no quadro abaixo.

Quantitativo de ocorrências policiais no município de Brumadinho de janeiro de 2018 a julho de 2020

Fonte: SIDS/REDS - Polícia Civil de Minas Gerais, agosto/2020.

O quadro abaixo apresenta a natureza das principais ocorrências policiais registradas no município, apontando um aumento expressivo do número de ocorrências para quase todas elas nos anos de 2019 e 2020 (dados de janeiro a julho) em comparação com o ano de 2018.

Natureza das principais ocorrências policiais registradas no município de Brumadinho de janeiro de 2018 a julho de 2020

Fonte: SIDS/REDS - Polícia Civil de Minas Gerais, agosto/2020.

O aumento nas ocorrências de crimes em Brumadinho após o rompimento das barragens da Vale S.A. evidencia uma crescente demanda por políticas públicas integradas, tanto de prevenção quanto de enfrentamento, não só no município, mas na Bacia do Paraopeba como um todo, para que ocorra a devida reparação de danos.

Ainda que não seja possível demonstrar uma correlação direta e exclusiva entre este aumento e o impacto do rompimento, os dados acima reforçam a necessidade de fortalecimento da atuação governamental na região de forma continuada.

6. Impactos econômicos

Assim como em outras áreas, os impactos e danos econômicos do rompimento da barragem em Brumadinho são complexos e a identificação não pode ser feita apenas de forma imediata e local. A real compreensão e a mensuração do problema também requerem a análise dos efeitos do desastre nas atividades econômicas e vocações dos municípios, da região e do estado tanto a médio quanto a longo prazo.

Além disso, é fundamental considerar que, para além dos efeitos na cadeia produtiva da mineração, o desastre impactou outros setores produtivos da economia mineira.

Conforme a publicação da Fundação João Pinheiro (FJP), “A Economia de Minas Gerais em 2019”, o índice de volume do Produto Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais em 2019 foi 0,3% inferior ao de 2018. Contribuíram para esse resultado as variações negativas do índice de volume do Valor Adicionado Bruto (VAB) da agropecuária (-1,7%), das indústrias extrativas (-25,4%), dos transportes (-2,2%) e da administração pública (-0,1%).

Em conjunto, o impacto negativo dessa evolução sobre o produto agregado estadual mais do que compensou as variações positivas do índice de volume do VAB das utilidades públicas (9,8%), da construção (3,2%), do comércio (2,2%) e dos “outros serviços” (0,5%).

O impacto das indústrias extrativas foi muito prejudicial para o resultado geral. Segundo dados da própria FJP, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Agência Nacional de Mineração (ANM), a participação média, entre os anos de 2010 e 2017, da indústria extrativa de minério de ferro da Vale S.A. no VAB da indústria extrativa de Minas Gerais foi de 62,37%, o que demonstra a importância da produção mineral da empresa para o estado de Minas Gerais.

Considerando que a Vale havia acabado de obter a renovação do certificado de operação para a mina de Brumadinho e que não havia apresentado nenhum plano de desativação de outras minas - mesmo após o desastre da Samarco Mineração S.A. em Mariana –, a FJP estimou os impactos econômicos em função das atividades que foram paralisadas pela empresa após o rompimento. A partir da análise dos dados publicados pela Vale S.A. em relatórios gerenciais com os resultados de 2019 e de 2018, a Fundação aponta que, no período de cinco anos, o rompimento acarretará:

7. Impactos na produção agrícola, pecuária e piscicultura

Os municípios diretamente atingidos pelo rompimento apresentam características e vocações próprias, mas também possuem muitas características comuns e vocações regionais, que lhes conferem significativa dependência da qualidade da água dos rios.

Os municípios de São Joaquim de Bicas, Brumadinho e Mário Campos, entre outros, integram o chamado cinturão verde da Região Metropolitana de Belo Horizonte e produzem hortaliças para o abastecimento de municípios de maior porte, como Betim, Contagem e a própria capital, o que requer uso intensivo de irrigação. Outros municípios atingidos têm na piscicultura a principal atividade econômica, como Felixlândia, Três Marias, Pompéu e Morada Nova de Minas, que é o segundo maior produtor de tilápia do Brasil.

Conforme tabela abaixo, o percentual da produção familiar no total da produção dos municípios atingidos é de 64,2%. Essa participação é bastante significativa, principalmente porque muitos desses municípios estão localizados a menos de 100 quilômetros da capital do estado. Considerando que a produção familiar é muito expressiva, fica evidenciada a fragilidade dos produtores nestes municípios frente ao rompimento.

Produção agrícola por setor e contribuição da produção familiar – Municípios atingidos da Bacia do Rio Paraopeba – 2018-2019

Setor

Produção 2018 (t)

Produção Familiar

2018 (%)

Produção 2019 (t)

Variação da Produção (%)

Cultura Permanente (Perene/Semi perene)

3.408.345

52,32

4.856.826

42,50%

Fruticultura

143.142

62,59

46.964

-67,19%

Grãos

125.279

66,38

183.975

46,85%

Olericultura

88.247

79,89

87.644

-0,68%

Outras Culturas - Milho Silagem e Sorgo Forrageiro

5.849.965

51,77

706.297

-87,93%

Produtos Agroextrativistas

1.466

60,00

1.502

2,46%

Total Geral

9.840.771

64,15

5.883.438

-40,21%

Fonte: Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (SEAPA-MG); Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater–MG).

Segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), há uma significativa variação da produção agrícola nos municípios atingidos. Por se tratar de culturas permanentes, verificou-se um aumento percentual significativo em culturas como eucalipto e cana-de-açúcar.

Contudo, a queda vertiginosa de outras culturas, especificamente milho para silagem e sorgo forrageiro, que em 2018 representava o maior volume da produção, resultou em um forte impacto no volume total produzido. Em 2018, a maior parte da produção desses itens era familiar, chegando a quase 80% no caso da olericultura, o que demostra que o impacto na renda das famílias e na atividade econômica da região também foi expressivo.

O rompimento levou à recomendação de não utilização da água do rio Paraopeba no trecho de Brumadinho a Pompéu, o que afetou sobremaneira atividades como produção de hortaliças, apicultura, pesca e pecuária. Tanto os produtores rurais que utilizavam as águas do Paraopeba para irrigação de culturas, produção de peixes, dessedentação de animais, entre outros, quanto os que, mesmo sem utilizar a água do rio, comercializam produtos da região, ficaram estigmatizados e agora lidam com a desconfiança dos consumidores.

Além disso, tais impactos não se restringem às atividades produtivas, gerando efeitos prejudiciais em toda a cadeia produtiva local e até mesmo na atração de investimentos pelas indústrias da região, indicando a necessidade do fortalecimento dos serviços públicos na região para reparação socioeconômica.

8. Impactos no turismo

O território afetado pelo rompimento das barragens faz parte do Circuito Turístico Veredas do Paraopeba, que conta com mais de 80 atrativos culturais e cerca de 40 atrativos naturais já inventariados. Cercada de montanhas, com muitos vales, rios, cachoeiras e água abundante, a região é destino de referência para passeios de aventura e turismo de pesca.

A região abriga, ainda, o Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico Inhotim, atrativo de relevância internacional, além de outros importantes atrativos regionais, como o Parque Estadual Serra do Rola Moça, o centro histórico de Casa Branca (Brumadinho), o centro histórico de Piedade do Paraopeba (Brumadinho), a Fazenda Boa Esperança (Belo Vale), o Calçadão Moeda Velha (Moeda), e também muita oferta de experiências gastronômicas, como nas fazendas produtoras de cachaça (Brumadinho).           

Ainda que alguns desses atrativos não estejam localizados em áreas e municípios diretamente atingidos, é importante destacar que é um circuito integrado com as áreas atingidas, sofrendo os impactos e danos do desastre.

Como dano imediato do rompimento, houve um comprometimento da imagem e consequente impacto na atividade turística da região. A queda do número de visitantes afetou o funcionamento de hotéis e pousadas, que apresentaram considerável queda na média de ocupação. Além disso, os prejuízos também foram percebidos em toda a rede de apoio às atividades turísticas, como restaurantes, empresas de transporte, comércio, lojas e serviços de atendimento.

É importante ressaltar que a suspensão da utilização da água bruta do Rio Paraopeba impactou o turismo em toda a bacia, afetando de forma brutal o turismo de pesca e lazer, o de aventura, dentre outros empreendimentos ligados aos atrativos naturais da região.

Hoje, mais de um ano após o desastre, os impactos ainda podem ser sentidos de forma considerável em Brumadinho. O município tinha no Instituto Inhotim uma grande âncora para atividade turística, que teve uma queda expressiva no número de visitantes. A Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) informou que, em relação à média dos últimos cinco anos antes do rompimento, 2019 apresentou resultados inferiores em 56,44% no mês de fevereiro - recuo de 15.472 para 6.739 visitantes - e quedas de 18,3% em março, 45,7% em abril e 39,1% em maio, cuja média de visitantes caiu de 21.212 para 12.916.

A Secult, ao analisar dados sobre a busca do termo “Brumadinho”, mesmo se tratando de buscas relacionadas a viagens, notou uma forte correlação de assuntos e consultas relacionadas aos temas “barragem”, “tragédia”, “vítima”, “lama” e “desastre” durante os últimos meses, fortalecendo uma imagem negativa para o destino.

Sendo assim, destaca-se que é de extrema relevância recuperar a imagem positiva da região e buscar o fortalecimento de sua atividade turística, para retomar a atratividade e a economia local e regional da bacia do Paraopeba.

9. Impactos no patrimônio histórico e cultural

Em relação ao patrimônio cultural, o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão causou danos e prejuízos visíveis na questão material. A alteração da paisagem interferiu na relação das comunidades com os locais de vivência, seus logradouros e edificações, com radical alteração dos usos, acessos e funções sociais dos bens.

Contudo, há ainda outros impactos, possivelmente mais profundos e de mais difícil apreensão, sobre bens culturais de natureza imaterial. Foram arruinados elementos estruturantes da relação entre identidade e território, bem como a noção de pertencimento. Para compreendermos a profundidade dos danos, há que se analisar de forma mais ampla e sistêmica a alteração dos modos de vida, das estruturas sociais, e das referências culturais.

Ainda que não possam ser quantificadas, as referências culturais, que não necessariamente estão refletidas na formalidade dos tombamentos, registros e inventários culturais, foram profundamente impactadas pela interrupção violenta da vida cotidiana.

Portanto, considerando que o significado de patrimônio cultural não se restringe ao que pode ser visibilizado pela cultura material e tampouco pelo conjunto de bens inventariados, tombados ou registrados, entende-se que o desafio imposto pelo desastre é o de reconhecimento de sujeitos e direitos coletivos atingidos.

Nesse sentido, impõe-se ao poder público a promoção de políticas públicas de identificação, proteção e salvaguarda que reconheçam as alterações na própria forma de reconhecimento daquilo que é patrimônio pelas comunidades. Da mesma forma, tais políticas devem permitir a interpretação, apropriação e proteção desse patrimônio cultural.